Convenção sobre Segurança Social (Normas Mínimas), 1952 (n.º 102)
Perguntas e Respostas
Qual é a diferença entre segurança social e proteção social?
- Para a OIT, os conceitos de “segurança social” e “proteção social” são utilizados indistintamente e abrangem todas as medidas destinadas a garantir a segurança de rendimento e os cuidados de saúde a todos os que necessitam. Isto é geralmente conseguido através de sistemas de proteção/segurança social que proporcionam prestações e serviços ao longo de todo o ciclo de vida, especialmente em caso de doença, invalidez, maternidade, acidente de trabalho e doenças profissionais, desemprego, velhice, morte do provedor do rendimento familiar ou em relação ao cuidado das crianças. Estes sistemas devem basear-se no princípio da solidariedade social e, por conseguinte, no financiamento coletivo, através de mecanismos contributivos, não contributivos (fiscais) ou de uma combinação de ambos, a fim de alcançar a mutualização dos riscos. Estes mecanismos são os regimes de seguro social, de assistência social ou de prestações universais.
- No entanto, em alguns contextos nacionais, a “segurança social” é utilizada como sinónimo de seguro social e refere-se a mecanismos que são (1) financiados através de contribuições dos trabalhadores e dos empregadores antes da ocorrência da eventualidade; (2) baseados no princípio da partilha de riscos e da solidariedade; (3) que incluem a noção de garantia (quer em relação a prestações pecuniárias quer a cuidados médicos).
- A “proteção social” é, por vezes, considerada num sentido mais restrito, referindo-se apenas a medidas de assistência social sujeitas a condição de recursos e dirigidas aos membros mais pobres e vulneráveis da sociedade, mas também a medidas universais. No entanto, também pode ser vista como tendo um carácter mais amplo, integrando serviços e medidas sociais adicionais, tais como os relacionados com a educação, a habitação, a água e o saneamento.
- A OIT sublinha o compromisso comum de criar sistemas universais de proteção social, incluindo pisos de proteção social, que implicam “ações e medidas para concretizar o direito humano à segurança social através da criação e manutenção progressivas de sistemas de proteção social adequados a nível nacional, para que todos tenham acesso a uma proteção abrangente, adequada e sustentável ao longo do ciclo de vida, em conformidade com as normas da OIT”.
A Convenção n.º 102 tem em conta os regimes e programas que não têm base jurídica?
- Um país que ratifica uma Convenção Internacional do Trabalho compromete-se a aplicar a Convenção na legislação e na prática nacionais e a apresentar relatórios sobre a sua aplicação a intervalos regulares. A Convenção n.º 102 exige especificamente que todos os Estados que a ratificam forneçam “informações completas sobre a legislação que dê cumprimento às disposições da Convenção” (artigo 76.º). Por outro lado, os regimes e programas que não têm uma base jurídica não podem ser utilizados para demonstrar o cumprimento das disposições da Convenção.
- A Convenção n.º 102, no entanto, oferece aos Estados uma flexibilidade considerável para determinar as questões através da legislação e regulamentação nacionais. Por exemplo, os Estados podem especificar por lei como e quando uma pensão por velhice pode ser suspensa quando o beneficiário continua a trabalhar. Do mesmo modo, a legislação nacional deve definir o grau de incapacidade permanente que dá direito a uma pensão por invalidez.
- É importante que os sistemas de proteção social sejam construídos com base em quadros jurídicos sólidos, porque eles: (1) garantem que a proteção social é um direito e não uma questão de caridade; (2) asseguram a estabilidade dos programas e uma estratégia a longo prazo; (3) contribuem para a previsibilidade e a sustentabilidade; (4) facilitam a distinção entre detentores de direitos e titulares de deveres; (5) defendem os direitos e estabelecem salvaguardas contra a governação arbitrária; (6) permitem uma supervisão mais eficaz por parte do Estado e dos defensores públicos (por exemplo, o provedor de justiça); (7) oferecem maiores garantias de um diálogo social e público mais amplo, de um processo justo e de financiamento.
A Convenção n.º 102 pode abranger pessoas que não estão classificadas como trabalhadores por conta de outrem (assalariados)?
- Embora se pense frequentemente que a Convenção n.º 102 diz respeito apenas à proteção social dos trabalhadores por conta de outrem (assalariados), reconhece, de facto, que há muitas formas de proporcionar proteção social. Estabelece níveis mínimos de proteção garantida não só para os “assalariados”, mas também para a “população ativa” e os “residentes cujos recursos durante a eventualidade não excedam limites prescritos” ou “todos os residentes” em alguns casos específicos. Por outras palavras, a Convenção n.º 102 prevê mecanismos que concedem prestações relacionadas com o salário (ou seja, regimes de segurança social), prestações de montante fixo e prestações dependentes de rendimentos (ou seja, regimes de assistência social). No caso dos cuidados médicos, a Convenção n.º 102 também considera prestações baseadas na residência (ou seja, regimes universais).
- A Convenção n.º 102 dá a cada Estado-membro a opção de determinar qual destes três mecanismos irá utilizar para demonstrar o cumprimento de cada uma das eventualidades que aceitou. Por outras palavras, um Estado que disponha de um regime de assistência social que proporcione prestações de doença, desemprego e velhice a pessoas com baixos rendimentos pode utilizar esse mecanismo para demonstrar o seu alinhamento com a Convenção n.º 102.
- Além disso, a Convenção estabelece garantias mínimas de referência para cada um destes mecanismos, no pressuposto de que cada país pode ir além destes níveis mínimos e proporcionar uma maior proteção, tanto no que diz respeito às pessoas protegidas como ao nível das prestações garantidas pela legislação nacional.
- Em suma, a Convenção n.º 102 diz respeito não só à proteção dos trabalhadores assalariados, mas também dos trabalhadores independentes, das pessoas com baixos rendimentos e dos residentes (no caso dos cuidados médicos).
Qual é a diferença entre regimes contributivos e regimes não contributivos?
Regimes contributivos
- Os regimes contributivos são aqueles em que as contribuições efetuadas pelas pessoas protegidas (beneficiários efetivos ou potenciais) e pelas suas entidades patronais determinam diretamente o direito às prestações (direitos adquiridos). Os regimes de seguro social são a forma mais comum de regimes contributivos de segurança social. Ao contrário dos seguros comerciais, os seguros sociais não visam o lucro e têm por objetivo garantir um certo nível de vida e o acesso aos cuidados médicos, criando mecanismos de solidariedade entre os participantes no regime.
- Nestes regimes, as prestações dependem dos rendimentos anteriores do segurado e do número de contribuições pagas - o seu historial contributivo. Em geral, o segurado tem de comprovar um determinado número de contribuições pagas para ter direito a uma prestação quando ocorre uma eventualidade. O montante da prestação também depende frequentemente do historial contributivo e dos rendimentos anteriores do beneficiário (por exemplo, as pensões de velhice podem ser calculadas com base nos rendimentos médios da carreira).
- Em combinação com outras medidas, a inclusão dos/as trabalhadores/as que operam na economia informal em mecanismos contributivos de segurança social pode ser um poderoso motor para a sua transição para a economia formal. Isto também reforça o potencial e a sustentabilidade do sistema contributivo, alargando a partilha de riscos. No entanto, embora o alargamento dos mecanismos contributivos de segurança social ajude a aliviar as pressões sobre as prestações financiadas pelos impostos, pode exigir um certo nível de subsidiação, pelo menos no início, para cobrir algumas ou todas as contribuições ou custos das prestações.
Regimes não contributivos (financiados por impostos)
- Os regimes não contributivos (financiados pelos impostos) abrangem um vasto leque, incluindo regimes universais para todos os residentes (como os serviços nacionais de saúde), regimes categóricos para certos grupos amplos da população (por exemplo, crianças abaixo de uma certa idade ou idosos acima de uma certa idade) e regimes sujeitos a condição de recursos (como a assistência social). Os regimes não contributivos são geralmente financiados através de impostos ou de outras receitas do Estado (por exemplo, receitas consignadas) ou, em certos casos, através de subvenções ou empréstimos externos. As prestações podem ser pecuniárias ou em espécie.
- Os regimes de prestações sociais sujeitos a condição de recursos desempenham um papel fundamental na redução da pobreza, desde que as prestações, juntamente com outras medidas de apoio, como as políticas relacionadas com a habitação, a educação, os transportes públicos e a água e saneamento, garantam o cumprimento dos níveis mínimos de rendimento definidos a nível nacional para proporcionar níveis adequados de proteção. Estes podem ser equivalentes ao limiar de pobreza estabelecido ou ao valor monetário de um conjunto de bens e serviços necessários.
- Os regimes não contributivos (financiados por impostos) são especialmente relevantes para as pessoas não abrangidas pelos regimes contributivos, quer porque trabalham na economia informal, quer porque não preenchem as condições para ter direito a uma prestação, uma vez que podem proporcionar segurança de rendimento básico e acesso a cuidados de saúde, garantindo assim uma vida digna.
- Os níveis e a gama de prestações de segurança social proporcionados através de mecanismos de proteção social não contributivos não estão geralmente relacionados com os níveis de rendimentos no país e são, por conseguinte, inferiores aos de que beneficiam os/as trabalhadores/as inscritos/as na segurança social contributiva. Isto aplica-se principalmente às prestações que garantem o rendimento; a situação é diferente no que diz respeito à proteção da saúde. Em muitos casos, o nível das prestações é insuficiente para satisfazer as necessidades das pessoas. Por esta razão, o Estado deve assegurar que prestações não contributivas adequadas sejam alargadas a todas as pessoas necessitadas, no âmbito de um piso de proteção social definido a nível nacional, de modo a garantir que as pessoas não abrangidas por mecanismos contributivos tenham acesso, pelo menos, à segurança básica de rendimento e aos cuidados essenciais, e deve também alargar a cobertura dos mecanismos contributivos, em especial através de políticas de formalização, para garantir que mais pessoas possam receber progressivamente uma melhor proteção.
A Convenção n.º 102 limita-se aos regimes de segurança social?
- A Convenção n.º 102 não preconiza um modelo único de segurança social. Permite que cada Estado ratificante considere a combinação mais adequada de métodos e abordagens de financiamento e administração para garantir a proteção necessária, desde que respeite os parâmetros e princípios mínimos que estabelece.
- Especificamente, a Convenção n.º 102 considera que a proteção social pode ser alcançada através de dois mecanismos principais de financiamento, nomeadamente as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores baseadas nos salários ou nos rendimentos (ou seja, os regimes de segurança social) e os impostos (incluindo disposições como as prestações universais e os regimes de assistência social), ou uma combinação de ambos. Como tal, a aplicação da Convenção n.º 102 não se limita aos regimes de segurança social.
- Na prática, as fronteiras entre regimes contributivos e não contributivos/financiados por impostos não são muitas vezes claras. Os regimes de segurança social também beneficiam de uma parte das receitas gerais, por exemplo para subsidiar as contribuições das pessoas com baixos rendimentos ou para cobrir os custos associados às prestações e à sua administração, quer os previstos na lei, quer as transferências ad hoc para cobrir potenciais défices.
- A experiência mostra que os países que conseguiram atingir com êxito uma cobertura universal ou quase universal o fizeram frequentemente recorrendo a uma combinação de mecanismos e fontes de financiamento.
A Convenção n.º 102 pode ser aplicada através de regimes de assistência social específicos?
- Como já foi referido, a Convenção nº 102 reconhece que não existe uma forma única de assegurar e administrar a proteção social. Por conseguinte, prevê três tipos principais de mecanismos através dos quais os Estados podem demonstrar que cumprem os requisitos da Convenção: regimes que abrangem os/as trabalhadores/as; regimes que abrangem a população economicamente ativa; e regimes sujeitos a condição de recursos que abrangem os/as residentes.
- Daqui decorre que os Estados que concedem prestações de doença, prestações de desemprego, prestações de velhice, prestações familiares e por filhos a cargo, prestações de invalidez e/ou prestações de sobrevivência, através de regimes que abrangem todos/as os/as residentes cujos recursos durante a eventualidade não excedam os limites estabelecidos por lei (ou seja, regimes de assistência social sujeitos a condição de recursos), podem utilizar esses regimes para demonstrar que estão em conformidade com os critérios de referência e os princípios estabelecidos na Convenção n.º 102.
- Por outras palavras, os regimes de assistência social que se destinam a pessoas com recursos inferiores a um determinado limiar podem ser utilizados para aplicar a Convenção n.º 102, desde que estejam consagrados na lei e satisfaçam a cobertura, as condições de elegibilidade, os níveis e a duração das prestações e os princípios estabelecidos na Convenção.
A Convenção n.º 102 pode ser aplicada através de regimes de responsabilidade do empregador ou de indemnização dos/as trabalhadores/as?
- No âmbito dos regimes de responsabilidade direta da entidade patronal, a indemnização de um/a trabalhador/a ou dos seus familiares sobreviventes a cargo é uma obrigação legal da entidade patronal. Dado que o encargo financeiro de cumprir esta obrigação recai exclusivamente sobre os empregadores, as normas de segurança social da OIT não incorporam tais regimes, uma vez que não são compatíveis com o princípio do financiamento coletivo, segundo o qual as prestações são financiadas por contribuições ou impostos, ou por uma combinação de ambos. O financiamento coletivo é fundamental para a segurança social, porque facilita a partilha de riscos e a solidariedade entre trabalhadores e empregadores.
- Os regimes de responsabilidade da entidade patronal podem representar um encargo excessivo para os empregadores, especialmente para as micro e pequenas unidades económicas. Por exemplo, uma pequena empresa pode ter dificuldade em continuar a pagar o salário de uma mulher durante a licença de maternidade e, ao mesmo tempo, pagar o salário da pessoa que a irá substituir. Esta situação pode levar ao incumprimento e tornar a proteção em grande medida ineficaz, por exemplo, em caso de insolvência do empregador. Nestes casos, o recurso judicial é o único meio de que dispõem os/as trabalhadores/as que pretendem reclamar uma indemnização, mas estes processos podem ser muito morosos e dispendiosos. Os mecanismos de segurança social oferecem, por conseguinte, às micro e pequenas unidades económicas, em particular, um importante mecanismo de partilha de riscos e de planeamento que lhes permite alongar as contribuições para a maternidade e outras prestações durante um maior período de tempo e de forma mais previsível.
- Além disso, os regimes de responsabilidade dos empregadores podem resultar em práticas discriminatórias. Por exemplo, os empregadores podem não estar dispostos a contratar, manter ou promover mulheres em idade fértil devido aos custos potenciais do pagamento da totalidade ou de parte dos seus salários durante a licença de maternidade, ou pessoas com determinadas condições médicas por razões semelhantes relacionadas com o pagamento de subsídios de doença.
- Em suma, os mecanismos de financiamento coletivo proporcionam uma melhor proteção, garantem uma maior igualdade de tratamento, solidariedade e partilha de riscos e estão em conformidade com a Convenção n.º 102.
Podem os Estados limitar as suas disposições em matéria de proteção social às normas mínimas estabelecidas na Convenção n.º 102?
- A Convenção n.º 102 é a norma mínima de segurança social. Isto significa que um Estado-membro pode proporcionar uma melhor proteção do que os valores de referência mínimos estabelecidos na Convenção, por exemplo, protegendo mais pessoas, estabelecendo taxas de substituição mais elevadas ou concedendo prestações por períodos mais longos, mas a sua legislação e prática nacionais devem garantir, no mínimo, que as prestações satisfazem sempre os valores de referência estabelecidos.
- A Constituição da OIT estabelece claramente que os Estados-membros não devem utilizar a ratificação de uma convenção para afetar qualquer direito que garanta aos/às trabalhadores/as condições mais favoráveis do que as previstas na convenção (artigo 19.º, n.º 8).
Podem os regimes de contribuições definidas ser utilizados para aplicar a Convenção n.º 102?
As normas de segurança social da OIT não excluem qualquer tipo de regime. Na medida em que um regime ou programa de segurança social proporcione proteção contra os riscos sociais da forma prevista na Convenção e respeite os seus princípios, pode ser considerado conforme à Convenção.
No entanto, na maior parte dos casos, os regimes de contribuições definidas, também designados por contas de poupança individuais, não cumprem estes princípios fundamentais e critérios de referência nas seguintes formas:
- Princípio da garantia de benefícios mínimos e definidos: Para estarem em conformidade, as pensões devem ser pagas periodicamente a um nível pelo menos igual a 40% dos rendimentos anteriores para qualquer pessoa que ganhe um salário igual ou inferior ao de um/a trabalhador/a qualificado/a, tal como definido na Convenção. Na maioria dos casos, os regimes de contribuições definidas não oferecem garantias legais de que os benefícios serão adequados e previsíveis, uma vez que o seu nível está relacionado com o desempenho do mercado.
- Princípio da adaptação periódica: As pensões devem manter o seu poder de compra ao longo do tempo através de ajustamentos periódicos que reflitam a evolução do custo de vida. Normalmente, os regimes de contribuições definidas não prevêem atualizações automáticas das prestações e, quando o fazem, essas prestações não estão geralmente indexadas aos preços. Os pensionistas suportam assim um risco de inflação nos regimes de capitalização privados, ao passo que os regimes de benefícios definidos são geralmente indexados aos preços ou aos salários.
- Princípio dos benefícios pagos durante todo o período da eventualidade: Os benefícios devem ser pagos durante todo o período de duração da eventualidade. Por exemplo, em caso de velhice, até ao falecimento do beneficiário. Em muitos regimes de contribuições definidas, os benefícios são calculados com base no capital que cada segurado detém na sua conta de poupança individual, pelo que, quando o capital acumulado nessa conta se esgota, o direito aos benefícios pode desaparecer, mesmo que o risco social se mantenha. Em certos regimes de pensões, a legislação nacional pode permitir que um pensionista adquira uma pensão vitalícia com as suas poupanças. Contudo, na prática, o mercado de anuidades vitalícias pode ser reduzido ou inexistente, uma vez que o setor dos seguros não estará necessariamente interessado em oferecer tais instrumentos financeiros, tendo em conta o risco e a incerteza a longo prazo associados (ou seja, o risco de o beneficiário viver mais tempo do que o previsto).
- Princípio do financiamento coletivo: As normas de segurança social da OIT baseiam-se na premissa de que os riscos são partilhados entre os membros da comunidade e não na transferência de riscos do mercado para os indivíduos. Por conseguinte, os benefícios devem ser financiados coletivamente através de contribuições ou impostos, ou ambos, assegurando simultaneamente que o total das contribuições de seguro a pagar pelas pessoas protegidas não exceda 50% dos recursos totais disponíveis para a proteção dos/as trabalhadores/as e dos seus cônjuges e filhos/as. Em geral, nos regimes de contribuições definidas, os riscos associados ao investimento nos mercados financeiros, bem como os riscos do mercado de trabalho, como os períodos de desemprego ou de baixos rendimentos, são transferidos para os indivíduos, com a consequente desvinculação do Estado.
- Princípio da gestão participativa: A segurança social deve ser gerida em conjunto ou em consulta com os representantes das pessoas protegidas, nomeadamente quando a gestão não é confiada a uma instituição regulada pelas autoridades públicas ou a um departamento governamental responsabilizado perante o Parlamento. Em muitos casos, os regimes de contribuições definidas de gestão privada não permitem que os membros filiados participem na sua gestão.
Em particular, o Comité de Peritos sobre a Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT (CEACR) comentou que os regimes de pensões baseados na capitalização de poupanças individuais geridas por fundos de pensões privados são organizados em desrespeito dos princípios da solidariedade, da partilha de riscos e do financiamento coletivo, que constituem a essência da segurança social, e também em desrespeito dos princípios da gestão transparente, responsável e democrática dos regimes de pensões com a participação de representantes dos segurados.
Podem ser utilizados mecanismos de seguro voluntário para aplicar a Convenção n.º 102?
- O princípio subjacente à Convenção, estabelecido no seu artigo 6º, é o do seguro obrigatório. No entanto, a proteção fornecida através de mecanismos de seguro voluntário pode ser excecionalmente considerada para as seguintes eventualidades: cuidados médicos, doença, desemprego, velhice, maternidade (apenas cuidados médicos), invalidez e prestações em caso de perda da pessoa que aufere o rendimento familiar. Esta possibilidade está sujeita às seguintes condições:
- O regime de seguro voluntár io é supervisionado por autoridades públicas ou gerido por parceiros sociais, de acordo com as regras estabelecidas nas leis e regulamentos nacionais;
- O regime de seguro voluntário abrange um número significativo de pessoas que auferem um salário igual ou inferior ao de uma pessoa que efetua um trabalho manual qualificado (tal como definido na Convenção);
- Os critérios de referência e os princípios estabelecidos na Convenção são respeitados, incluindo os aplicáveis ao nível mínimo e à duração da prestação.
- Na prática, a cobertura voluntária conduz a uma seleção adversa, a pequenos grupos de risco e a incentivos disfuncionais. Muitos exemplos mostram que a cobertura voluntária raramente conduz a um alargamento significativo da cobertura efetiva.
Os níveis e o âmbito de aplicação definidos na Convenção n.º 102 estão adaptados à realidade dos países de baixo e médio rendimento?
- A Convenção n.º 102 não pretende estabelecer um nível internacional único de prestações que seja o mesmo para todos os contextos nacionais. Pelo contrário, reconhece que as circunstâncias nacionais diferem e que o que é considerado um nível adequado de prestações varia de país para país. Por conseguinte, para determinar se o nível de prestações num país é adequado em relação aos parâmetros de referência estabelecidos na Convenção n.º 102, prevê um mecanismo destinado a identificar um salário de referência relevante para o país em questão. Isto garante que a avaliação reflita as realidades nacionais.
- Reconhecendo as dificuldades envolvidas na implementação de um sistema de proteção social abrangente, especialmente nos países de baixo e médio rendimento, os Estados podem ratificar a Convenção mesmo que o seu sistema ainda não cubra os nove riscos sociais. Desde que o seu sistema cubra três riscos sociais e um deles seja o desemprego, a velhice, os acidentes de trabalho e doenças profissionais, a invalidez ou as prestações de sobrevivência, podem ratificar a Convenção e alargar as suas obrigações à medida que o sistema de proteção social se desenvolve.
- Reconhecendo também que algumas economias nacionais e recursos médicos ainda estão em desenvolvimento, a Convenção n.º 102 contém cláusulas de flexibilidade que permitem aos países, excecional e temporariamente, demonstrar o cumprimento de parâmetros de referência mais baixos. Isto torna a norma mais acessível a alguns países de baixo e médio rendimento porque, em primeiro lugar, o âmbito pode ser limitado a empresas industriais em vez de todos os setores económicos e, em segundo lugar, o âmbito também pode ser limitado a grandes empresas, correspondendo assim ao padrão de desenvolvimento da segurança social observado em muitos países.
- Do mesmo modo, os países de baixo e médio rendimento podem aplicar temporariamente a Convenção n.º 102 com base num pacote de cuidados médicos reduzido para os acidentes de trabalho e doenças profissionais ou reduzir a duração do pagamento das prestações, por exemplo, no caso dos subsídios de doença.
A Convenção n.º 102 é a convenção emblemática que estabelece as normas mínimas de segurança social, mas existem outras normas internacionais de segurança social relevantes?
Com base no modelo estabelecido pela Convenção n.º 102, os membros tripartidos da OIT adotaram posteriormente cinco outras convenções, cada uma delas acompanhada de uma recomendação, que, no seu conjunto, estabelecem normas de proteção mais elevadas - em termos das pessoas abrangidas e do nível das prestações - para oito das nove eventualidades abrangidas pela Convenção n.º 102. Estas incluem:
- A Convenção sobre as prestações no caso de acidente de trabalho e doenças profissionais, 1964 (n.º 121), e a Recomendação n.º 121 que a acompanha;
- Convenção sobre as prestações de invalidez, velhice e sobrevivência, 1967 (n.º 128) e a Recomendação n.º 131 que a acompanha;
- A Convenção sobre cuidados médicos e prestações de doença, 1969 (n.º 130) e a Recomendação n.º 134 que a acompanha;
- Convenção sobre a promoção do emprego e proteção contra o desemprego, 1988 (n.º 168) e a Recomendação n.º 176 que a acompanha;
- A Convenção sobre a proteção da maternidade, 2000 (n.º 183) e a Recomendação n.º 191 que a acompanha.
- Além disso, a Convenção sobre igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros em matéria de previdência social, 1962 (n.º 118), a Convenção sobre manutenção dos direitos de Segurança Social, 1982 (n.º 157), e a Recomendação (n.º 167) que a acompanha, orientam os países na operacionalização do direito à segurança social dos migrantes e das suas famílias.
- Outras convenções e recomendações, como a Convenção sobre os trabalhadores e trabalhadoras do serviço doméstico, 2011 (n.º 189), a Recomendação sobre a transição da economia informal para a economia formal, 2015 (n.º 204), ou a Recomendação sobre emprego e trabalho digno para a paz e a resiliência, 2017 (n.º 205), também incluem referências relevantes à segurança social.
O que é a Recomendação relativa aos pisos de proteção social, 2012 (n.º 202) e como pode ajudar a alargar a proteção social?
- A Recomendação n.º 202 sobre Pisos de Proteção Social, a mais recente adição ao conjunto de normas internacionais de segurança social, estabelece uma visão estratégica sobre a forma de alcançar a proteção social universal, tendo em conta as múltiplas lacunas e desafios que existem em termos de cobertura, adequação e abrangência da proteção, bem como de sustentabilidade financeira. Não substitui, mas complementa, a Convenção n.º 102 e as normas mais avançadas subsequentemente adoptadas, integrando-as nesta visão estratégica.
- A estratégia para colmatar as lacunas de cobertura e alcançar a cobertura universal é bidimensional: (1) os Estados devem proporcionar, pelo menos, níveis básicos de proteção a todas as pessoas necessitadas, através da implementação de um nível mínimo de proteção social definido a nível nacional como uma questão prioritária; e (2) devem assegurar progressivamente níveis mais elevados de proteção ao maior número possível de pessoas, orientados pela Convenção nº 102 e por normas internacionais de segurança social mais avançadas.
- A Recomendação n.º 202 também fornece orientações sobre a conceção e implementação de políticas e estratégias nacionais de alargamento da segurança social como principal veículo para alcançar o objetivo de proteção social universal, em conformidade com a estratégia bidimensional. A adoção de tais políticas tem o mérito de colocar a proteção social no topo da agenda do Governo e em pé de igualdade com outras políticas públicas importantes, especialmente as relativas ao emprego. Facilita também a coordenação, a coerência e a integração, nomeadamente com as políticas económicas, de emprego e fiscais.
Pisos de proteção social (Parte II da Recomendação n.º 202)
- De acordo com a Recomendação n.º 202, os pisos de proteção social são conjuntos definidos a nível nacional de garantias básicas de segurança social que asseguram uma proteção destinada a prevenir ou atenuar a pobreza, a vulnerabilidade e a exclusão social. No mínimo, o Estado deve proporcionar as quatro garantias seguintes: (1) acesso a cuidados de saúde essenciais ao longo de todo o ciclo de vida; (2) segurança de rendimento básico para as crianças, assegurando o acesso à nutrição, à educação, aos cuidados e a quaisquer outros bens e serviços necessários; (3) segurança de rendimento básico para as pessoas em idade ativa que não conseguem obter um rendimento suficiente, nomeadamente em casos de doença, desemprego, maternidade e deficiência; (4) segurança de rendimento básico para as pessoas idosas.
- Os Estados-membros têm a possibilidade de conceber os seus próprios pisos de proteção social e as garantias básicas de segurança social em que assentam, utilizando a combinação mais eficaz e eficiente de regimes e prestações, pecuniários ou em espécie, sem perder de vista as circunstâncias nacionais.
Estratégias nacionais para alargar a segurança social (Parte III da Recomendação n.º 202)
- A adoção e implementação de uma política nacional de proteção social é, de acordo com a Recomendação n.º 202, a melhor forma de construir e manter um sistema universal de proteção social. Os processos de elaboração e aplicação de políticas, baseados na participação tripartida com organizações representativas de empregadores e trabalhadores, bem como na consulta de outras organizações relevantes e representativas das pessoas interessadas, são motores essenciais para identificar lacunas na cobertura e na abrangência e adequação da proteção, estabelecer objetivos imediatos e a longo prazo e tomar medidas com vista a reduzir a fragmentação e melhorar a coordenação entre as várias componentes dos sistemas nacionais de proteção social. Também aumentam a apropriação nacional e melhoram a aceitação, especialmente quando empreendidas através de uma abordagem participativa com os parceiros sociais, e ajudam a envolver atores cruciais, incluindo os ministérios das finanças. Isto pode ser importante, por exemplo, para melhorar a sustentabilidade financeira, fiscal e económica, nomeadamente assegurando que o financiamento necessário é devidamente atribuído e programado.
- A Recomendação n.º 202 estabelece expressamente uma abordagem sequencial para a formulação e implementação de estratégias nacionais de alargamento da segurança social. Esta abordagem implica: (1) definir objetivos que reflitam as prioridades nacionais; (2) identificar lacunas e obstáculos à proteção; (3) procurar colmatar as lacunas na proteção; (4) complementar a segurança social com políticas ativas do mercado de trabalho, incluindo a formação profissional; (5) especificar as necessidades e os recursos financeiros; e (6) sensibilizar para os pisos de proteção social e as estratégias de alargamento através de programas de informação.
Acompanhamento dos progressos (Parte IV da Recomendação n.º 202)
- Os sistemas de proteção social requerem mecanismos de acompanhamento institucionalizados para acompanhar o desempenho dos regimes e programas e orientar a sua melhoria, sempre que necessário. Isto inclui o acompanhamento regular da implementação e a avaliação periódica, em particular através da recolha, compilação e análise de dados de segurança social. Este acompanhamento é mais eficiente quando é realizado, juntamente com os parceiros sociais, pelos organismos institucionalizados responsáveis por esta função, é orientado por uma política nacional de proteção social e estabelece prazos para a sua implementação.
- A recolha e análise exaustivas de dados é um elemento crucial para a elaboração de políticas e legislação informadas e baseadas em dados concretos, bem como para uma aplicação eficaz. Tal implica a disponibilidade de dados sobre os contribuintes e os beneficiários, desagregados por sexo, grupo etário e zona de residência rural e urbana, e de dados sobre as despesas, desagregados por função e tipo de despesa.
Perguntas e Respostas
Navegue pelas perguntas frequentes abaixo.
Entre em contato conosco se ainda tiver dúvidas!
Qual é a diferença entre segurança social e proteção social?
A Convenção n.º 102 tem em conta os regimes e programas que não têm base jurídica?
A Convenção n.º 102 pode abranger pessoas que não estão classificadas como trabalhadores por conta de outrem (assalariados)?
Qual é a diferença entre regimes contributivos e regimes não contributivos?
A Convenção n.º 102 limita-se aos regimes de segurança social?
A Convenção n.º 102 pode ser aplicada através de regimes de assistência social específicos?
A Convenção n.º 102 pode ser aplicada através de regimes de responsabilidade do empregador ou de indemnização dos/as trabalhadores/as?
Podem os Estados limitar as suas disposições em matéria de proteção social às normas mínimas estabelecidas na Convenção n.º 102?
Podem os regimes de contribuições definidas ser utilizados para aplicar a Convenção n.º 102?
Podem ser utilizados mecanismos de seguro voluntário para aplicar a Convenção n.º 102?
Os níveis e o âmbito de aplicação definidos na Convenção n.º 102 estão adaptados à realidade dos países de baixo e médio rendimento?
A Convenção n.º 102 é a convenção emblemática que estabelece as normas mínimas de segurança social, mas existem outras normas internacionais de segurança social relevantes?
O que é a Recomendação relativa aos pisos de proteção social, 2012 (n.º 202) e como pode ajudar a alargar a proteção social?